O “Soneto de Arvers” foi escrito em 1831 e publicado em 1833 e traduzido milhares de vezes para os mais diversos idiomas, inclusive para o Esperanto. Inspirou livros e peças de teatro, que usaram o soneto como tema. É considerado o mais belo soneto do século XIX. Abaixo publicamos as traduções de Guilherme de Almeida e Olegário Mariano, o original em francês, além da tradução para o inglês de Henry Wadsworth Longfellow.
Soneto de Arvers
Tenho na alma um segredo e um mistério na vida:
um amor que nasceu, eterno, num momento.
É sem remédio a dor; trago-a pois escondida,
e aquela que a causou nem sabe o meu tormento.
Por ela hei de passar, sombra inapercebida,
sempre a seu lado, mas num triste isolamento,
e chegarei ao fim da existência esquecida
sem nada ousar pedir e sem um só lamento.
E ela, que entanto Deus fez terna e complacente,
há de, por seu caminho, ir surda e indiferente
ao murmúrio de amor que sempre a seguirá.
A um austero dever piedosamente presa,
ela dirá lendo estes versos, com certeza:
“Que mulher será esta? ” e não compreenderá.
– Alexis-Félix Arvers, em “POETAS de França”. [organizada, compilada e traduzida por Guilherme de Almeida]. edição bilíngue. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936; 2ª ed., 1944; [apresentação de Marcelo Tápia]. São Paulo: Editora Babel, 2011.
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Soneto de Arvers
Tenho um mistério na alma e um segredo na vida:
Eterno amor que, num momento, apareceu.
Mal sem remédio, é dor que conservo escondida
E aquela que o inspirou nem sabe quem sou eu.
A seu lado serei sempre a sombra esquecida
De um pobre homem de quem ninguém se apercebeu.
E hei de esse amor levar ao fim da humana lida,
Certo de que dei tudo e ele nada me deu.
E ela que Deus formou terna, pura e distante,
Passa sem perceber o murmúrio constante
Do amor que, a acompanhar-lhe os passos, seguirá.
Fiel ao dever que a fez tão fria quanto bela,
Perguntará, lendo estes versos cheios dela:
“Que mulher será esta?” E não compreenderá.
– Félix Arvers, em tradução de Olegário Mariano, publicado em Letras e Artes, suplemento de “A manhã”, Rio de Janeiro, 10.6.1951 e no Jornal do Comércio, edição de 23.12.1951.
Poema original em francês
“Mon âme a son secret, ma vie a son mystère,
Un amour eternal en un moment conçu;
Le mal est sans espoir, aussi j’ai du le taire,
et celle qui l’a fait n’ena jamais rien su.
Hélas! j’aurai passé près d’elle inaperçu
Toujours à ses cotes et toujours solitaire;
et j’aurai jusqu’au fait mon temps sur la terre
n’osant rien demander, et n’ayant rien reçu.
Pour elle, quoique Dieu l’ait faite bonne et tendre,
Elle ira son chemin, distraite, et sans entendre
Ce murmure d’amour elevé sur ses pas;
à l’austère devoir pieusement fidèle,
elle dira, lisant ces vers tout remplis d’elle,
“Quelle est donc cette femme?” et ne comprendra pas”
– Alexis-Félix Arvers, “Mes heures perdues”. 1833.
Tradução em inglês
Sonnet d’Arvers
My soul its secret has, my life too has its mystery,
A love eternal in a moment’s space conceived;
Hopeless the evil is, I have not told its history,
And the one who was the cause nor knew it nor believed.
Alas! I shall have passed close by her unperceived,
Forever at her side, and yet forever lonely,
I shall unto the end have made life’s journey, only
Daring to ask for naught, and having naught received.
For her, though God has made her gentle and endearing,
She will go on her way distraught and without hearing
These murmurings of love that round her steps ascend.
Piously faithful still unto her austere duty,
She will say, when she shall read these lines full of her beauty,
“Who can this woman be?” and will not comprehend.
Alexis-Félix Arvers
Tradução de Henry Wadsworth Longfellow
Breve biografia
Alexis-Félix Arvers (Paris, 23 de julho de 1806 – Cézy, 7 de novembro de 1850) foi um poeta e dramaturgo francês, que ficou mundialmente conhecido por um soneto, o “Soneto de Arvers”, o qual inspirou diversas traduções, peças e livros dedicados inteiramente ao seu desvendamento.
Arvers inicialmente trabalhou como escrevente em um tabelionato, mas abandonou sua carreira de notário para dedicar-se ao meio literário.
Ficou mais conhecido, porém, graças a um único poema, que mereceu destaque na época, inclusive inspirando peças de teatro que usaram tal soneto como tema. Escrevera-o sem título, em um álbum de Marie Mennessier-Nodier, filha do escritor Charles Nodier, causando grande polêmica na época, ultrapassando fronteiras, com repercussões através de todo o mundo literário, motivando extrema curiosidade sobre a musa que o teria inspirado.
Posteriormente, aquele que ficaria conhecido mundialmente como o “Soneto de Arvers” foi incluído em seu livro de poesias “Minhas horas perdidas” (Mes heures perdues), lançado em 1833.
Apesar de nem sempre a crítica estar em concordância com a celebridade do aclamado soneto, ele permaneceu muito tempo entre os preferidos do público. Em enquete realizada em 1955, na rádio e TV francesas, entre 4200 respostas de preferência popular, o Soneto de Arvers recebeu 1686 votos.[1]
O Soneto de Arvers foi traduzido inúmeras vezes, para os mais diversos idiomas, destacando-se a tradução de Henry Wadsworth Longfellow, para o inglês, e até traduções para o esperanto.
No Brasil, Humberto Mello Nóbrega (1901-1978) tornou-se especialista no assunto, com o livro “O Soneto de Arvers”, onde expõe várias traduções para a língua portuguesa, inclusive destacando sátiras acerca do poema, como a de Bastos Tigre, passando por traduções de Guilherme de Almeida, Olegário Mariano, Osvaldo Orico, Edmundo Muniz, José Oiticica, J. G. de Araújo Jorge, Gondim da Fonseca, José Lino Grünewald, até Pedro A. Bettencourt Raposo, que fez 12 versões em seu livro “Sonetos”, em Lisboa, no ano de 1916.
Arvers escreveu diversas peças teatrais, mas nenhuma permaneceu. Após sua morte, foi relançado seu livro “Minhas Horas Perdidas”, acrescido de poesias inéditas, em 1900.
[ 1] GRÜNEWALD, José Lino. Biografias e comentários. In: ‘VÁRIOS’. Poetas franceses do século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
Obra
:: Minhas horas perdidas (Mes heures perdues) – Publicado em 1833 e 1900. Desta obra constavam “A Morte de Francisco I” (La mort de François), “Mais Medo que Mal” (Plus de peur que de mal) e o famoso “Soneto de Arvers”
Referências bibliográficas
:: Poetas de França. [organizada, compilada e traduzida por Guilherme de Almeida]. edição bilíngue. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936; 2ª ed., 1944; [apresentação de Marcelo Tápia]. São Paulo: Editora Babel, 2011.
:: Poetas franceses do século XIX. [Organização e tradução de José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991.
:: BARROSO, Ivo. O Soneto Imortal de Mello Nóbrega. aborda no texto “O Soneto de Arvers”. in: Gaveta do Ivo, 11.10.2010. Disponível no link. (acessado em 15.2.2019).