Poemas do escritor francês Victor Hugo (edição bilíngue)
Luar
Per amica silentia lunae.
– Virgílio
Serena paira a lua e nas ondas rebrilha.
Livre a janela, enfim, aberta para a brisa,
A sultana olha, além, e o mar que se repisa,
Com um fluxo de prata adorna as negras ilhas.
Vibrando, de seus dedos, escapa a guitarra.
Ela ouve… Um surdo som golpeia os surdos ecos.
Uma grande nau turca a vir de águas de Cos
A agitar o arquipélago com remos tártaros?
Os alcatrazes, um a um, a mergulhar
Cotando a água que rola em pérolas sobre as asas?
Será um djim que lá do alto assovia em voz rasa
E lança ameias lá da torre para o mar?
Quem pois resolve as vagas lá perto do harém?
Nem o negro alcatraz sobre o fluxo embalado,
Nem as pedras do muro ou o rumo ritmado
Da grande nau pela onda e remos em vaivém.
São alforjes de peso; e dos prantos a trilha.
Ver-se-ia ao sondar o mar que os engalana,
Moverem-se em seus flancos tal qual forma humana…
Serena paira a lua e nas ondas rebrilha.
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Clair de Lune
Per amica silentia lunae.
– Virgile
La lune était sereine et jouait sur les flots. –
La fenêtre enfin libre est ouverte à la brise,
La sultane regarde, et la mer qui se brise,
Là-bas, d’un flot d’argent brode les noirs îlots.
De ses doigts en vibrant s’échappe la guitare.
Elle écoute… Un bruit sourd frappe les sourds échos.
Est-ce un lourd vaisseau turc qui vient des eaux de Cos
Battant l’archipel grec de sa rame tartare?
Sont-ce des cormorans qui plongent tour à tour,
Et coupent l’eau, qui roule en perles sur leur aile?
Est-ce un djinn qui là-haut siffle d’une voix grêle,
Et jette dans la mer les créneaux de la tour?
Qui trouble ainsi les flots près du sérail des femmes? –
Ni le noir cormoran, sur la vague bercé,
Ni les pierres du mur, ni le bruit cadencé
Du lourd vaisseau, rampant sur l’onde avec des rames.
Ce sont des sacs pesants, d’où partent des sanglots,
On verrait, en sondant la mer qui les promène,
Se mouvoir dans leurs flancs comme une forme humaine…
La lune était sereine et jouait sur les flots.
– Victor Hugo, em “Poetas Franceses do Século XIX”. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
§
Devaneio
Lo giorno se n’andava e l’aer bruno
Toglieva gli animal che sono’n terra,
Dalle fatiche loro.
– Dante
Oh! deixa-me! é a hora onde o horizonte se esfuma,
Esconde a fronte vária sob esfera em bruma,
Hora onde o astro gigante já em rubor sumia.
O bosque amarelado, só, doura a colina.
Pensar que em dias tais em que o outono declina,
Deslustram chuva e sol a floresta que havia.
Quem fará surgir, súbito, fará brotar
Por lá – enquanto estou só na janela a sonhar
E a sombra a se afundar no fim do corredor –
A cidade mourisca, inaudita, vibrante,
Que, tal qual o foguete em feixes fulgurantes,
Dilacera a neblina em setas de auricor!
Que venha inspirar, gênios! afastar do sono
Estas canções escuras como um céu de outono,
E lançar em meus olhos mágica faceta,
Apagando-se há muito em rumor abafado,
Com as mil torres em seu palácio de fadas,
Brumosa, rendilhar o horizonte violeta!
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Reverie
Lo giorno se n’andava e l’aer bruno
Toglieva gli animal che sono’n terra,
Dalle fatiche loro.
– Dante
Oh! laissez-moi! c’est l’heure où l’horizon qui fume
Cache un front inégal sous un cercle de brume,
L’heure où l’astre géant rougit et disparaît.
Le grand bois jaunissant dore seul la colline.
On dirait qu’en ces jours où l’automne décline,
Le soleil et la pluie ont rouillé la forêt.
Oh! qui fera surgir soudain, qui fera naître,
Là-bas, – tandis que seul je rêve à la fenêtre
Et que l’ombre s’amasse au fond du corridor, –
Quelque ville mauresque, éclatante, inouïe,
Qui, comme la fusée en gerbe épanouie,
Déchire ce brouillard avec ses flèches d’or!
Qu’elle vienne inspirer, ranimer, ô génies,
Mes chansons, comme un ciel d’automne rembrunies,
Et jeter dans mes yeux son magique reflet,
Et longtemps, s’éteignant en rumeurs étouffées,
Avec les mille tours de ses palais de fées,
Brumeuse, denteler l’horizon violet!
– Victor Hugo, em “Poetas Franceses do Século XIX”. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
§
O sol adormeceu esta tarde nas nuvens…
O sol adormeceu esta tarde nas nuvens.
Amanhã hão de vir borrasca e tarde e noite;
A aurora e seus clarões de vapor obstruídos;
Depois noites e dias, todo o tempo eterno.
Passarão estes dias – passarão em turba
Sobre a face do mar, sobre a face dos montes,
Sobre os rios de prata e o bosque em rola
Como um hino confuso de mortos que amamos.
Como a face das águas e a fronte das montanhas.
Enrugadas e moças, e os bosques sempre verdes
jovens serão; e o rio das campinas
Traz dos montes o fluxo que oferece aos mares.
Mas eu que cada vez mais curvo a minha fronte,
Eu passo e estimulado pelo sol alegre.
Logo mais partirei, bem no meio da festa,
E sem que nada falte ao mundo imenso e belo.
.
Le soleil s’est couché ce soir dans les nuées…
Le soleil s’est couché ce soir dans les nuées.
Demain viendra l’orage, et le soir, et la nuit ;
Puis l’aube, et ses clartés de vapeurs obstruées ;
Puis les nuits, puis les jours, pas du temps qui s’enfuit !
Tous ces jours passeront; ils passeront en foule
Sur la face des mers, sur la face des monts,
Sur les fleuves d’argent, sur les forêts où roule
Comme un hymne confus des morts que nous aimons.
Et la face des eaux, et le front des montagnes,
Ridés et non vieillis, et les bois toujours verts
S’iront rajeunissant; le fleuve des campagnes
Prendra sans cesse aux monts le flot qu’il donne aux mers.
Mais moi, sous chaque jour courbant plus bas ma tête,
Je passe, et, refroidi sous ce soleil joyeux,
Je m’en irai bientôt, au milieu de la fête,
Sans que rien manque au monde, immense et radieux!
– Victor Hugo, em “Obras completas. Victor Hugo”. [tradução Jamil Almansur Haddad]. São Paulo: Editora das Américas, 1960.
§
A infância
O menino cantava; sua mãe, no leito, agonizava,
Extenuada, a sua fronte na sombra pendia;
E sobre ela, a morte numa nuvem vagueava;
E eu ouvia a canção e escutava a agonia.
Tinha cinco anos o menino, e junto à janela,
Um claro som de riso e de jogos se erguia;
E a mãe, ao lado da criança doce e bela
Que todo o dia cantava, toda noite tossia,
A mãe sob as lajes do claustro foi dormir;
E o menino voltou a cantar…
A dor é um fruto que Deus não faz surgir
Num ramo frágil demais para o suportar.
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L’enfance
L’enfant chantait; la mère au lit, exténuée,
Agonisait, beau front dans l’ombre se penchant;
La mort au-dessus d’elle errait dans la nuée;
Et j’écoutais ce râle, et j’entendais ce chant.
L’enfant avait cinq ans, et près de la fenêtre
Ses rires et ses jeux faisaient un charmant bruit;
Et la mère, à côté de ce pauvre doux être
Qui chantait tout le jour, toussait toute la nuit.
La mère alla dormir sous les dalles du cloître;
Et le petit enfant se remit à chanter… —
La douleur est un fruit ; Dieu ne le fait pas croître
Sur la branche trop faible encor pour le porter.
(Paris, Janeiro de 1835).
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
Qual é o fim…
Qual é o fim de tudo? a vida ou a tumba?
A onda que nos sustém? ou a que nos afunda?
Qual a longínqua meta de tanto passo cruzado?
É o berço que embala o homem ou é o seu fado?
Seremos aqui na terra, nas alegrias, nos ais,
Reis predestinados ou simples presas fatais?
Ó Senhor, responde, responde-nos, ó Deus forte,
Se condenaste o homem apenas à sua sorte,
Se já no presépio o calvário se anuncia
E se os ninhos sedosos, dourados pela manhã fria,
Onde as crias vêm ao mundo por entre flores,
São feitos para as aves ou para predadores.
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Quelle est la fin de tout?
Quelle est la fin de tout? la vie, ou bien la tombe?
Est-ce l’onde où l’on flotte ? est-ce l’ombre où l’on tombe?
De tant de pas croisés quel est le but lointain?
Le berceau contient-il l’homme ou bien le destin?
Sommes-nous ici-bas, dans nos maux, dans nos joies,
Des rois prédestinés ou de fatales proies?
Ô Seigneur, dites-nous, dites-nous, ô Dieu fort,
Si vous n’avez créé l’homme que pour le sort?
Si déjà le calvaire est caché dans la crèche?
Et si les nids soyeux, dorés par l’aube fraîche,
Où la plume naissante éclôt parmi des fleurs,
Sont faits pour les oiseaux ou pour les oiseleurs?
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
A ponte
Diante de mim, a escuridão. A voragem
Que não tem cimo e que nem sequer tem margem
Lá estava, sombria, imensa; nada nela mexia.
Perdido no mundo infinito eu me sentia.
Ao longe, através da sombra, impenetrável véu,
Entrevia-se Deus, pálida estrela no céu.
Clamei: – Ó alma, alma minha! eu precisava,
Para atravessar o abismo cujo fim não vislumbrava,
E para durante a noite até Deus eu ascender,
De construir uma ponte e em mil arcos a estender.
Quem o conseguirá? Ninguém!ó dor! tormento!
Chora! – Um fantasma branco ergueu-se no momento
Em que à sombra um olhar de temor eu deitava.
A forma de uma lágrima esse fantasma mostrava;
Tinha uma fronte de virgem e duas mãos de criança;
Lembrava um lírio que toda a brancura alcança;
As suas duas mãos juntas acendiam uma luz.
Apontou o abismo onde tudo a pó se reduz,
Tão fundo que nem o eco aí segue a sua lei,
E disse-me: – Se quiseres, a ponte construirei.
Para o desconhecido ergui meus olhos do chão.
-Como te chamas? perguntei. Respondeu: – A oração.
(Jersey, dezembro 1852)
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Le pont
J’avais devant les yeux les ténèbres. L’abîme
Qui n’a pas de rivage et qui n’a pas de cime,
Était là, morne, immense ; et rien n’y remuait.
Je me sentais perdu dans l’infini muet.
Au fond, à travers l’ombre, impénétrable voile,
On apercevait Dieu comme une sombre étoile.
Je m’écriai : — Mon âme, ô mon âme ! il faudrait,
Pour traverser ce gouffre où nul bord n’apparaît,
Et pour qu’en cette nuit jusqu’à ton Dieu tu marches,
Bâtir un pont géant sur des millions d’arches.
Qui le pourra jamais ! Personne ! ô deuil ! effroi !
Pleure ! — Un fantôme blanc se dressa devant moi
Pendant que je jetai sur l’ombre un œil d’alarme,
Et ce fantôme avait la forme d’une larme ;
C’était un front de vierge avec des mains d’enfant ;
Il ressemblait au lys que la blancheur défend ;
Ses mains en se joignant faisaient de la lumière.
Il me montra l’abîme où va toute poussière,
Si profond, que jamais un écho n’y répond;
Et me dit : — Si tu veux je bâtirai le pont.
Vers ce pâle inconnu je levai ma paupière.
— Quel est ton nom ? lui dis-je. Il me dit: — La prière.
(Jersey, décembre 1852)
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
Fábula ou história
Um dia, magro e sentindo um real desfastio,
Um macaco com a pele de um tigre se vestiu.
O tigre fora malvado, ele tornou-se atroz
Ele tinha assumido o direito de ser feroz.
Arreganhava os dentes, gritando: eu serei
O herói dos matagais, da noite o temível rei!
Como malfeitor dos bosques, emboscado nos espinhos,
De horror, morte e rapinas, escureceu os caminhos,
Degolou os viajantes e devastou a floresta,
Fez tudo o que faz aquela pele funesta.
Vivia no seu antro, no meio da voragem.
Todos, vendo-lhe a pele, criam na personagem.
Gritava e rugia como as feras danadas:
Olhem, a minha caverna está cheia de ossadas;
Olhem para mim, sou um tigre! Tudo treme,
Diante de mim, tudo recua e emigra; tudo freme!
Temiam-no os animais, fugindo com grandes passos.
Um domador apareceu e tomando-o nos braços,
Rasgou-lhe a pele, como se rasga um farrapo,
E, pondo a nu o herói, disse: Não passas de um macaco!
(Jersey, Setembro de 1852)
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Fable ou histoire
Un jour, maigre et sentant un royal appétit,
Un singe d’une peau de tigre se vêtit.
Le tigre avait été méchant; lui, fut atroce.
Il avait endossé le droit d’être féroce.
Il se mit à grincer des dents, criant: Je suis
Le vainqueur des halliers, le roi sombre des nuits!
Il s’embusqua, brigand des bois, dans les épines
Il entassa l’horreur, le meurtre, les rapines,
Egorgea les passants, dévasta la forêt,
Fit tout ce qu’avait fait la peau qui le couvrait.
Il vivait dans un antre, entouré de carnage.
Chacun, voyant la peau, croyait au personnage.
Il s’écriait, poussant d’affreux rugissements:
Regardez, ma caverne est pleine d’ossement;
Devant moi tout recule et frémit, tout émigre,
Tout tremble; admirez-moi, voyez, je suis un tigre!
Les bêtes l’admiraient, et fuyaient à grands pas.
Un belluaire vint, le saisit dans ses bras,
Déchira cette peau comme on déchire un linge,
Mit à nu ce vainqueur, et dit: Tu n’es qu’un singe!
(Jersey, le 6 novembre 1852)
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
As minhas duas filhas
No fresco claro-escuro da bela tarde que tomba,
Uma me lembra um cisne, e a outra uma pomba,
Muito belas, muito alegres, ó suavidade!
Vede, a irmã mais velha e a de menos idade
Sentadas junto ao jardim; e para as duas olhando,
Um ramo de cravos brancos, com os caules pousando
Num vaso de mármore, agitado pelo vento,
Sobre elas se inclina, imóvel e atento,
E tremendo na sombra, parece, assim curvado,
Um voo de borboletas em êxtase parado.
(La terrasse, perto de Enghien, Junho de 1842)
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Mes deux filles
Dans le frais clair-obscur du soir charmant qui tombe,
L’une pareille au cygne et l’autre à la colombe,
Belle, et toutes deux joyeuses, ô douceur !
Voyez, la grande soeur et la petite soeur
Sont assises au seuil du jardin, et sur elles
Un bouquet d’oeillets blancs aux longues tiges frêles,
Dans une urne de marbre agité par le vent,
Se penche, et les regarde, immobile et vivant,
Et frissonne dans l’ombre, et semble, au bord du vase,
Un vol de papillons arrêté dans l’extase.
(La Terrasse, près d’Enghien, juin 1842).
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
Unidade
Por cima do horizonte de colinas sem cor,
O sol, essa flor de infinito esplendor,
Se inclinava sobre a terra à hora do poente;
Uma humilde margarida, no campo florescente,
Sobre um muro cinzento, entre a aveia a vibrar,
Branca, sua cândida auréola faz desabrochar;
E a pequenina flor, sobre o seu velho muro,
Fixamente olhava, no eterno azul tão puro,
O grande astro que a luz imortal envia.
– E eu, eu também tenho raios! – lhe dizia.
(Granville, Julho de 1836)
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Unité
Par-dessus l’horizon aux collines brunies,
Le soleil, cette fleur des splendeurs infinies,
Se penchait sur la terre à l’heure du couchant;
Une humble marguerite, éclose au bord d’un champ,
Sur un mur gris, croulant parmi l’avoine folle,
Blanche épanouissait sa candide auréole;
Et la petite fleur, par-dessus le vieux mur,
Regardait fixement, dans l’éternel azur,
Le grand astre épanchant sa lumière immortelle.
«Et, moi, j’ai des rayons aussi !» lui disait-elle.
(Granville, juillet 1836)
– Victor Hugo, em “Poemas: Victor Hugo”. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
§
Perseverando
À Regueira Costa
A águia é o gênio… Da tormenta o pássaro,
Que do monte arremete altivo píncaro,
Qu’ergue um grito aos fulgores do arrebol,
Cuja garra jamais se pela em lodo,
E cujo olhar de fogo troca raios
Contra os raios do sol.
Não tem ninho de palhas… tem um antro
Rocha talhada ao martelar do raio,
Brecha em serra, ant’a qual o olhar tremeu. . .
No flanco da montanha asilo trêmulo,
Que sacode o tufão entre os abismos
O precipício e o céu.
Nem pobre verme, nem dourada abelha
Nem azul borboleta… sua prole
Faminta, boquiaberta espera ter…
Não! São aves da noite, são serpentes,
São lagartos imundos, que ela arroja
Aos filhos p’ra viver.
Ninho de rei!… palácio tenebroso,
Que a avalanche a saltar cerca tombando!…
O gênio aí enseiba a geração…
E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes
Sob as asas de fogo aquenta as almas
Que um dia voarão.
Por que espantas-te, amigo, se tua fronte
Já de raios pejada, choca a nuvem?…
Se o réptil em seu ninho se debate?…
É teu folgar primeiro… é tua festa!…
Águias! P’ra vós cad’hora é uma tormenta,
Cada festa um combate!…
Radia!… É tempo!… E se a lufada erguer-se
Muda a noite feral em prisma fúlgido!
De teu alto pensar completa a lei!…
Irmão! Prende esta mão de irmão na minha!. . .
Toma a lira Poeta! Águia! esvoaça!
Sobe, sobe, astro rei! . .
De tua aurora a bruma vai fundir-se
Águia! faz-te mirar do sol, do raio;
Arranca um nome no febril cantar.
Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,
É bandeira arrogante, que o combate
Embeleza ao rasgar.
O meteoro real de coma fúlgida
Rola e se engrossa ao devorar dos mundos…
Gigante! Cresces todo o dia assim!. :.
Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos
No curso audaz constelações de idéias,
Marcha e recresce no marchar sem fim!…
.
Pertevcrando
Devise des Ducie
L’aigle, c’est le génie ! oiseau de la tempête,
Qui des monts les plus hauts cherche le plus haut faîte ;
Dont le cri fier, du jour chante l’ardent réveil ;
Qui ne souille jamais sa serre dans la fange,
Et dont l’œil flamboyant incessamment échange
Des éclairs avec le soleil.
Son nid n’est pas un nid de mousse ; c’est une aire,
Quelque rocher, creusé par un coup de tonnerre,
Quelque brèche d’un pic, épouvantable aux yeux,
Quelque croulant asile, aux flancs des monts sublimes,
Qu’on voit, battu des vents, pendre entre deux abîmes,
Le noir précipice et les cieux !
Ce n’est pas l’humble ver, les abeilles dorées,
La verte demoiselle aux ailes bigarrées
Qu’attendent ses petits, béants, de faim pressés ;
Non ! c’est l’oiseau douteux, qui dans la nuit végète ;
C’est l’immonde lézard, c’est le serpent qu’il jette,
Hideux, aux aiglons hérissés.
Nid Royal ! palais sombre, et que d’un flot de neige
La roulante avalanche en bondissant assiège !
Le génie y nourrit ses fils avec amour,
Et, tournant au soleil leurs yeux remplis de flammes,
Sous son aile de feu couve de jeunes âmes,
Qui prendront des ailes un jour !
Pourquoi donc t’étonner, Ami, si sur ta tête,
Lourd de foudres, déjà le nuage s’arrête ?
Si quelque impur reptile en ton nid se débat ?
Ce sont tes premiers j eux, c’est ta première fête :
Pour vous autres aiglons, chaque heure a sa tempête,
Chaque festin est un combat.
Rayonne, il en est temps ! et, s’il vient un orage,
En prisme éblouissant change le noir nuage.
Que ta haute pensée accomplisse sa loi.
Viens, joins ta main de frère à ma main fraternelle.
Poète, prends ta lyre ; aigle, ouvre ta jeune aile ;
Étoile, étoile, lève-toi !
La brume de ton aube, Ami, va se dissoudre.
Fais-toi connaître, aiglon, du soleil, de la foudre.
Viens arracher un nom par tes chants inspirés ;
Viens ; cette gloire, en butte à tant de traits vulgaires,
Ressemble aux fiers drapeaux qu’on rapporte des guerres,
Plus beaux quand ils sont déchirés !
Vois l’astre chevelu qui, royal météore,
Roule, en se grossissant des mondes qu’il dévore ;
Tel, ô jeune géant, qui t’accrois tous les jours,
Tel ton génie ardent, loin des routes tracées,
Entraînant dans son cours des mondes de pensées,
Toujours marche et grandit toujours !
(décembre 1827)
– Victor Hugo [tradução Castro Alves]. em “Espumas Fluctuantes”. de Castro Alves. 1870. (De ‘Odes e baladas’).
***
BREVE BIOGRAFIA DE VICTOR HUGO
Victor-Marie Hugo (1802 – 1885), poeta, novelista e dramaturgo francês cujas volumosas obras constituíram para um grande impulso, possivelmente o maior dado por uma obra singular, ao romantismo da França.
Victor Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, no Besançon, e foi educado com muitos tutores particulares e também em escolas privadas de Paris. Era um menino precoce, que com idade muita curta decidiu converter-se escritor. Em 1817, a Academia Francesa lhe premiou um poema, e, cinco anos mais tarde publicou seu primeiro volume de poemas, “Odes e poesias diversas”, que fez muito sucesso. No prefácio de seu extenso drama histórico, Cromwell (1827), Hugo expõe uma chamada à liberação das restrições que impunham as tradições do classicismo. Esta chamada se converteu muito em breve no manifesto do romantismo. A censura recaiu sobre a segunda peça teatral de Hugo, Marion do Lorme (1829), apoiada na vida de uma cortesã francesa do século XVII. Isso aconteceu porque a obra era muito liberal. Hugo se ressarciu da censura em 25 de fevereiro de 1830, quando sua peça teatral em verso, Hernani, teve uma tumultuosa estréia que assegurou o êxito do romantismo. Hernani foi adaptada pelo compositor italiano Giuseppe Verdi, e deu como resultado sua ópera, Ernani (1844). O período 1829-1843 foi o mais produtivo da carreira de Victor Hugo. Sua grande novela histórica, Nossa Senhora de Paris (1831), um conto que se desenvolve em Paris, no século XV, fez-lhe famoso e lhe conduziu à nomeação de membro da Academia Francesa, em 1841. Em outra novela desta etapa, Claude Gueux (1834), condenou eloqüentemente os sistemas penal e social da França de seu tempo. Escreveu vários volumes de poesia líricas, que foi muito bem recebida. Entre elas se destacava: Orientais (1829), Folhas de outono (1831), Os cantos do crepúsculo (1835) e Vozes interiores (1837). Peças teatrais de grande êxito : O rei se diverte (1832), adaptado pelo Verdi em sua ópera Rigoletto (1851), o drama em prosa, Lucrecia Borgia (1833) e o melodrama Ruy Blas (1838). Em troca, sua obra, Os Burgraves (1843) foi um enorme fracasso.
Com o desgosto de Hugo pelo fracasso desta obra, nesse mesmo ano acontece a morte de sua irmã maior e do marido dela, ambos afogados. Afastou-se da poesia e se dedicou de um modo mais ativo à política. Ele, em sua juventude, tinha sido monárquico. Em 1845 foi renomado par da França pelo rei Luis Felipe, mas quando se produziu a revolução de 1848, Hugo já era republicano. Em 1851, depois do fracasso da revolta contra o presidente Luis Napoleão, mais tarde imperador com o nome do Napoleão III, Hugo teve que emigrar para a Bélgica. Em 1855 deu começo ao seu comprido exílio de quinze anos na ilha de Guernsey.
Durante estes anos, Hugo escreveu a feroz sátira, Napoleão o pequeno (1852), os poemas satíricos, Os castigos (1853), o livro de poemas líricos, As contemplações (1856) e o primeiro volume de seu poema épico, A lenda dos séculos (1859-1883). Em Guernsey completou sua mais extensa e famosa obra, Os miseráveis (1862), uma novela que descreve vividamente, ao tempo de condenação, a injustiça social da França do século XIX.
Hugo retornou a França depois da queda do Segundo Império, em 1870, e reatou sua carreira política. Foi eleito primeiro para a Assembléia Nacional, e mais tarde para o Senado. Entre as obras mais destacáveis de seus últimos quinze anos, se contam, O noventa e três (1874), uma novela sobre a Revolução Francesa; e A arte de ser avô (1877), conjunto de poemas líricos a respeito de sua vida familiar.
As obras do Víctor Hugo marcaram um decisivo marco no gosto poético e retórico das jovens gerações de escritores franceses, e ainda é considerado como um dos poetas mais importantes deste país. Depois de sua morte, na época de 22 de maio de 1885, em Paris, seu corpo permaneceu exposto sob o Arco do Triunfo, e foi deslocado, segundo seu desejo, em um mísero carro fúnebre, até o Panteão, onde foi enterrado junto a alguns dos mais célebres cidadãos franceses.
Fonte: Nossa São Paulo
A POESIA DE VICTOR HUGO EM PORTUGUÊS (ALGUMAS OBRAS)
:: Obras completas. Victor Hugo. [tradução e revisão de Jamil Almansur Haddad]. São Paulo: Editora das Américas, 1960.
:: Odes e Baladas. Victor Hugo. [tradução de Jamil Almansur Haddad]. São Paulo: Editora das Artes, 1960.
:: Victor Hugo – Dois séculos de poesia. [tradução Anderson Braga Horta, Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera]. Brasília: Thesaurus, 2002.
:: O sátiro e outros poemas. Victor Hugo. [tradução Anderson Braga Horta, Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera]. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2002.
:: Poemas – Victor Hugo. [seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]. Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.
:: Cantos para os meus netos – poemas de Victor Hugo. [tradução e organização Marie-Hélène C. Torres; ilustrações Laurent Cardon]. São Paulo: Editora Gaivota, 2014.
Antologia (participação)
:: Poetas Franceses do Século XIX. [organização e tradução José Lino Grünewald]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
:: Poesia francesa: pequena antologia bilíngue. [tradução e seleção de José Jeronymo Rivera]. Brasília: Thesaurus, 1998; 2ª ed., revista e aumentada, 2005.
:: Victor Hugo – Les poèms (francês)
© Direitos reservados aos herdeiros
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva