Villa-Lobos, excertos da “Conferência proferida”, no Teatro Santa Roza, em João Pessoa (PB), no ano de 1951:
O Brasil já tem uma forma geográfica e um coração. Todo brasileiro tem esse coração: a música vai de uma alma à outra, os pássaros conversam pela música. Eles têm coração. Tudo que se sente na vida se sente no coração. O coração é o metrônomo da vida. E há muita gente na humanidade que se esquece disso. Justamente o que mais precisa a humanidade é de um metrônomo. Se houvesse alguém no mundo que pudesse colocar um metrônomo no cio da Terra, talvez estivéssemos mais próximos da paz. Por que se desentendem? Vivem descompassados. Raças e povos. Porque não se lembram do metrônomo que guardam no peito: o coração. Foi fadado por Deus, justamente no Brasil, possuir numa forma geométrica de coração e haver um ritmo palpitante em toda a sua raça, sobretudo no nordeste, pressentido de ritmo, de coração, essa unidade de movimento, esse metrônomo tão sensível. Meus amigos, foi com este pensamento que eu me tornei músico. Foi por isso que eu me tornei um escravo profundo e eterno da vida do Brasil, das coisas do Brasil. E, como não tenho o dom da palavra nem da pena, mas tive o dom do som e do ritmo, transponho em sons e ritmos essa loucura de amor por uma Pátria.
[…]
Sejam livres, lembrem-se do coração.Lembrem-se que este aqui é o metrônomo da realidade. Com ele terão a razão econômica de tudo, das coisas. Terão a medida exata da realidade da própria vida. Lembrem-se de que é a arte que vem do coração para um coração, de uma alma para outra alma. E a música é a primeira arte que conduz as outras artes. Eu não digo isso porque sou musico, não. Mas ela tem um poder positivo, digamos um poder biológico. Ela é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor. A música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, de seus pais. A música é um alento do desventurado. A música é a alegria daqueles que são alegres. A religião. Qual das religiões (?) e que não usou da música como elemento de atração aos seus crentes? Essa música que Santo Ambrósio utilizou-se para formar depois os cantos litúrgicos definidos. É com essa música, senhores, que nós precisamos compreender que o Brasil vive, e que ninguém percebe. Ninguém percebe que o país mais musical que existe sobre a Terra deixa passar vagamente, indiferentemente, essa música tão pura, essa música da alma, música do coração Que importa que haja duas espécies de música? A música da manifestação espontânea, a música popular, e a música da alma enlevada, da alma intelectual, a música da arte. O folclore é o intermediário desses dois elementos. É a ciência da pesquisa. É o traço de união em que se utiliza o criador para, tirando do povo, essa música, essa arte espontânea, ele burila no seu coração e na sua alma, e traz outra vez para o povo. Mas esse povo geralmente é injusto, não procura compreender o esforço do criador. Devem compreender, devem ser educados, civilizados para compreenderem o mistério, o pensamento abstrato de um criador no terreno de arte. E a música tem um poder incrível de atuar sobre o temperamento, sobre o instinto, sobre tudo no espírito humano. E é essa música que pode deleitar o culto, ao iniciado da música, a música artística, essa música que dá um prazer estranho, um prazer exótico, pitoresco àquele que gosta da música popular, àquele que gosta de sentir essa ou aquela canção, esse ou aquele ritmo de dança. E que para, embora mesmo no século XX já usem a música, já colaborem com a música. Porque há casos interessantes (em que), enquanto estão tocando a música, estão falando. Há pessoas que pensam que quanto mais a música toca forte, mais a gente fala alto. Isso é comum, mas é um instinto inofensivo de colaborar com a música. Não acredito (que) quem seja educado faça isso com a arte, não. Porque a melhor colaboração que se pode fazer com a arte é silêncio, é atenção, é recolhimento, é meditação, é apreensão, é a emoção.
[…]
Há muito tempo que eu tinha vontade de ter contato com o povo para viver a satisfação e alegria desse momento em verificar que é uma terra que sente a música, que vibra a música, que tem compreensão da música.
– Villa-Lobos, excertos da “Conferência proferida no Teatro Santa Roza, em João Pessoa, no ano de 1951.
MACHADO, Maria Célia. “Heitor Villa-Lobos: tradição e renovação na música brasileira”. Rio de Janeiro: F. Alves | Ed. UFRJ, 1987.
“Uirapuru” é das primeiras obras-primas de Villa-Lobos, (1917) e dá início a uma linguagem orquestral tipicamente villa-lobiana. A partitura retrata o ambiente da selva brasileira e seus habitantes naturais – os índios -, com uma impressionante riqueza de detalhes. O argumento que serviu de base para a composição desse poema sinfônico é de autoria do próprio autor, e conta a história de um pássaro (o uirapuru, que na mitologia indígena é considerado o ‘deus do amor’) que se transforma em um belo índio, disputado pelas índias que o encontram. Um índio ciumento, não suportando aquela adoração, flecha-o mortalmente. Ao retornar à sua condição de pássaro torna-se invisível e dele se ouve apenas o canto que desaparece no silêncio da floresta. (Fonte: Museu Villa-Lobos)
Ouça “Uirapuru” – Heitor Villa-Lobos (1917)
Hungarian National Philharmonic – Zóltan Kocsis, conductor. Béla Bartok National Concert Hall
Canto do uirapuru
Pássaro sagrado da selva amazônica, quando canta, a floresta silencia. Como se toda a natureza parassem para reverenciar o mestre.
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