Em entrevista ao Globonews, Fernanda Montenegro, que também disputou o prêmio na mesma categoria há 25 anos por Central do Brasil (1999), falou da emoção de assistir à filha fazer história na premiação e afirmou que já sabia que Fernanda venceria. Fernanda Torres venceu o prêmio de Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro 2025 por sua performance em Ainda Estou Aqui. Vivi 95 anos para ver isso, diz Fernanda Montenegro sobre o prêmio de Fernanda Torres
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“Eu escrevi alguma coisa para me organizar diante do emocional que eu estou vivendo desde que o filme aconteceu. É um filme extraordinário, um elenco extraordinário e a minha filha protagonizando completamente essa proposta de humanismo, que é o filme do Walter”, elogiou.
Pensando em sua trajetória e na da filha, ela afirma que precisava estar viva para este momento. “Eu nasci no final dos anos 1920. Quis Deus que eu viesse sobrevivendo, que tivesse essa noite de ontem, não porque ganhou um prêmio nos Estados Unidos, mas o que isso representa para a cultura brasileira. (…) Eu vivi para ver isso”..
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“Eu sabia que ela ia ganhar, entendeu? Porque mistério esse, não sei. Mas eu sabia que a minha filha ia ganhar esse prêmio e ganhou. Então, é uma convergência para uma vocação que ela herdou, certamente, de mim”, iniciou.
“Como artistas criadores, nós somos representantes de uma cultura altamente referencial, mas abaixo da linha do Equador. De vez em quando, nós conseguimos atravessar essa linha e temos o reconhecimento internacional do nosso talento amplo e irrestrito. De pé, vi minha filha comovida e agradecida. Eu aplaudo Fernanda Torres. Bravo, minha filha, bravo. E bravo”, disse.
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“Porque é a partir de mim que comecei um processo de vir para um palco, de vir para uma filmagem, de vir para um estúdio de novela, entendeu? E vir para encontros de leitura, e vir para fora, compreende? Uma comunicação desmedida, porque incontrolável. E não é por ganhos e por ganhar espaços nobres. Não, é para dar conta de uma vocação. É isso”, afirmou.
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Ela ainda fez referência ao conto “A Terceira Margem do Rio“, de João Guimarães Rosa, ao falar sobre o Brasil localizado abaixo da linha do Equador. “Nós somos a terceira margem do rio. Como atriz, isso (de chegar em outros locais) é importante. A gente nem deve sair da terceira margem do rio. É uma visão de vida tão ampla e tão disponível diante de outro ser humano que vem e nos assiste em uma comunhão dentro de um humanismo. É inexplicável”, afirma.
Ao ser questionada quando foi a primeira vez que percebeu o talento da filha, Montenegro relembrou uma peça que Fernanda Torres fez aos 12 anos. Estava acompanhada ao lado do marido, Fernando Torres, que também era dedicado a arte, quando teve a revelação.
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“Ficamos vendo a Nanda, nos abraçamos, chorando, porque os nossos filhos iriam entender o que é uma vocação dessa dimensão, que a gente tem que ir buscar o espectador onde ele está. Fernando e eu percebemos que nós teríamos quem continuasse a profissão”
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“Percebemos que ela entenderia às vezes em que a gente não estaria presente, porque tínhamos que ir ao teatro. No fim de semana, sábado e domingo, os filhos não tem escola, mas os pais não estão em casa, porque estão no teatro. Dá um sentimento de culpabilidade, de não estarmos sendo aqueles pais. Mas aí, tanto a Nanda quanto o Cláudio, vem para a nossa área.”
Em sua fala, Montenegro ainda relembrou os trabalhos de sua filha, destacando a importância de atravessar a “linha do Equador” para contar nossas histórias. “A gente atravessou o (a linha do) Equador, por uma ação pública, levando a vida de Eunice Paiva, a história dessa mulher. E não posso esquecer o Walter Salles, que criou a possibilidade dessa comunhão extraordinária, que deu uma luz imensa a essa travessia do equador para a Nanda e para o Brasil”
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“O Walter, nós já fizemos algumas coisas importantes em família. A Nanda já fez trabalhos dele. E o Walter Salles sabe levar a gente, ele sabe conduzir de uma forma impressionista o que ele quer do elenco. Estou me estendendo demais. Mas é também para agradecer ao Walter Salles, que tem cuidado e tem dado oportunidades fundamentais para mim e para a Nanda”, disse.
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Fernanda Montenegro ainda comentou, emocionada, sobre o discurso de Fernanda Torres. “Quando minha filha me oferece o trabalho dela, me vem a cabeça eu e Fernando naquela zona de iluminação no teto. Ela não soube que estivemos lá, tomados pela qualidade daquele talento com 12 anos. Estou muito feliz de ter vivido para isso agora. Continuamos, o palco continua.”
“Estou muito feliz de ter vivido para isso até agora. Continuamos. O palco continua. A interpretação do ser humano com total liberdade continua. No teatro, por atores e atrizes”, completa Montenegro.
Durante a entrevista, Fernanda Montenegro homenageou a filha e leu um texto sobre a carreira dela, que chamou de “grande atriz brasileira”
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Confira carta aberta na íntegra:
“Desde os 12 anos, no grupo O Tablado, de Maria Clara Machado, a Nanda já acontece como ser criativo. Cenicamente, é uma vocacionada desde cedo. No filme Inocência, de 1983, direção de Walter Lima Jr., a atriz se apresenta plenamente. Lembro de algum de seus importantes filmes: ‘A Marvada Carne’, Andre Coldwell, lembro ‘Eu sempre vou te amar’, de Arnaldo Jabor, que lhe deu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes de 1986.
Como mãe e filha, ou filha e mãe, fizemos fogo e paixão, Traição, Redenção, direção de Claudio Torres. ‘Casa de Areia’, direção de Andrucha Waddington, filme de aceitação e premiações internacionais. Tendo como base o teatro, estivemos juntas muitas vezes nos palcos deste país, e em palcos além-fronteiras. Fernanda é comprovadamente escritora e cronista respeitada e lida. Lida.
O prêmio da Golden Globe reconhece, pontua, e ilumina essa grande atriz brasileira que é Fernanda Torres. É um fato difícil de se alcançar, eu sei na pele. Como artistas criadores, nós somos representantes de uma cultura altamente referencial, mas abaixo da linha do Equador. De vez em quando nós conseguimos atravessar essa linha e temos o reconhecimento internacional do nosso talento amplo e irrestrito. De pé, vi minha filha comovida e agradecida.
Eu aplaudo Fernanda Torres. Bravo, minha filha, bravo. E bravo”.
— Fernanda Montenegro —
A premiação ocorreu em Los Angeles, nos Estados Unidos, na noite deste domingo, 5 de janeiro. Após o anúncio, Fernanda Torres subiu ao palco e dedicou o prêmio à mãe. “Vocês não têm ideia, ela esteve aqui há 25 anos. Isso é uma prova de que a arte perdura na vida, , até durante os momentos mais difíceis, como os quais Eunice Paiva passou”, disse a atriz.
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Ela superou estrelas como Kate Winslet, Tilda Swinton, Nicole Kidman e Angelina Jolie, tornando-se a primeira brasileira a receber o Globo de Ouro.
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A atriz arrebatou o prêmio por sua atuação no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. No longa, Fernanda interpreta Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva
Qual é a história de “Ainda Estou Aqui“?
A trama, baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda Estou Aqui” é ambientado no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, em meio à ditadura militar, e conta a história de Eunice, mãe de cinco filhos, que se envolve em uma busca infindável pela verdade após o seu marido, Rubens, ser levado por policiais à paisana e desaparecer. Um filme de Walter Salles.
O longa é estrelado por Fernanda Torres e ainda conta com Fernanda Montenegro, Selton Mello, Maeve Jinkings, Antonio Saboia, Humberto Carrão e Marjorie Estiano, no elenco.
Fonte: Globo News/G1