Desfigurando a vida,
…………………………… os homens pastam
racionais.
Passam efêmeros
……………………………….. como pegadas em charco.
***
As impressões me abalam
…………………………… – atmosfera de pesos me dobrando.
Vejo de longe
…………………………… as regiões proibidas.
Subitamente o sublime!
………………………………………….O bárbaro empalidece
enriquece os ritos
…………………………………….sob a ação dos deuses.
Potencializa-se o espírito.
***
Não apenas sob os pés
…………………………………………… eu me proponho.
Pelas mãos
……………………….. nem sempre sou
e nem me explico.
Existo pelo mar
………………………………………….. em minhas veias.
E sei que os roteiros
……………………………………………………..são meus.
***
Diluindo sombras
…………………………… sobre meus planaltos,
………………………………………………………… uma cósmica irradiação desvenda limiares.
***
Subirei a mais alta colina
……………………………………………… motivado pelo verde
e sob a sombra de um carvalho
…………………………………………………………esperarei por Deus.
Expondo ao holocausto todos que fui,
…………………………………………..me salvarei por um milagre.
***
Seremos sempre nascentes
………………………………… sobre extensões sem bordas.
Há que penetrar
……………………………………………… .nas não em círculos.
Há muito que amar para seguirmos
…………………………..e ainda mais que amar
………………………………………………………… para ficarmos.
***
Me abriguei em meu corpo,
………………………………………………………… frágil reino.
Plantei, colhi
……………… no chão rubro das artérias.
Aprendi a trafegar
………………………………………… entre esperanças e apegos:
houve malogros e graças.
Desci a poços terríveis,
mas andei por clareiras quase tonto de luz.
***
Me ressinto de palavras.
Conserva o teu silêncio.
Em mim, os mares e os desertos
………………………………… súbito se desgastam
………………………………………………………só para te dar espaço.
***
Uma réstia de luz
vinda da lua
transpõe a sala
até meus pés
Atenuando as negridões.
As sentenças do relógio
……………………………seccionam
……………………………………………….o tempo
abalam a noite e acordam em mim
………………………………………………………… adormecidas coisas.
Um movimento obscuro
……………………………………………………………… cria a tua imagem.
***
Lá fora, atravessando os homens,
……………………………………….. .a vida é uma loucura.
Aqui dentro,
……………………………cristalizando-se
no isolamento,
……………………………como se nada urgisse,
esta humanidade em mim.
***
Andei perdido –
………………………………… cheguei náufrago –
entre afogados horizontes.
A fome e a sede nos aproximaram
E apesar da noite
……………………………………………….. .e da tormenta
nos identificamos.
***
Levanto a mão suavemente
num gesto de carícia
…………………………………………………………– me transfiro inteiro.
É um prazer sem tamanho!
Rompem-se as represas
…………………………………………………………e o amor deságua
no seu próprio estuário –
E já não sou eu
……………………………………… .e nem és tu.
***
Brilhos que me erguem
redivivas luzes que se ajustam
modelando meus sonhos
contagiando olhares –
nivelando alturas –
íntimas projeções…
traumáticos desapegos –
síntese de uniões…
***
Sob a força dos delírios
meu grito transpareceu
– um apelo transcendente
que o tempo não escondeu…
Transbordamentos do ser
intrínsecas florações…
que não sei reconhecer…
***
O que veio do meu íntimo
em natural transferência
são posições atuantes
dominando pensamentos
exercitando minha mente…
Em posições distantes
são frêmitos mentais
ou paralizações mentais…
***
Nas camadas do meu ser
tudo foi se dispersando
– restou para mim,
um restrito enquadramento
que um dia, eu supus ocupado!
pura suspeita, mero engano
foi tudo com espasmo luzidio
que aos poucos foi se apagando
para este meu eterno desgaste ou
suprema desarmonia…
***
Na solidão dos meus dias
os espaços me tornaram
em plena desarmonia –
senti a devastação mais soberba
– totalitário assombro…
– nada me vestia
– impreciso, desnudo,
no mais desarmônico dos tempos
onde meu ser espargia
numa ironia sem margens
onde luzes se perdiam…Como encontrar equilíbrio
se nada em torno se erguia?!
Walker Luna, um grande poeta confessional
– por *Cyro de Mattos
Walker Rodrigues Luna nascido em Itabuna, Bahia, no dia 6 de agosto de 1925, o poeta Walker Luna publicou os seguintes livros de poesia: Estes Seres de Mim (1969), Companheiro (1979), Estações dos Pés (1983) Um Ângulo entre Montanhas (1994), Na Condição do Existir (1999), Na Selva dos Arranha-Céus (1998), Preface, 2006; Deixou inédito: Onde Os Fogos Se Cruzam.
Patrono da cadeira nº 9 da Academia Itabunense de Letras (Bahia).
Seus livros tiveram orelhas e prefácios de Jorge Amado, Helena Kolody, Telmo Padilha, Cyro de Matos, Dimas do Amaral, Jorge Medauar, entre outros nomes literários.
Incluí esse poeta em minha antologia Itabuna, Chão de Minhas Raízes (1966) e o indiquei para a de Assis Brasil, A poesia baiana no século xx (1999), Dotado de uma linguagem fluente, Walker Luna move seu discurso num ritmo agudo dentro dos limites do existir. Expõe essa paisagem estranha e solitária que comporta o ser humano na dor do viver. Poesia vazada numa experiência humana vivida com intensidade, entre a amargura e a insônia, o sofrimento e a angústia.
Oferece um testemunho de resistência luminosa, corajosa, de limitações suportadas com dignidade e altivez. Mas seus versos, de plena lucidez nas estações que comovem, trafegam também com acenos que nos descobrem livres, nos tons verdes que, transformados em sumo vital, proliferam frutos.
É sobre seu último livro, Na Condição do Existir, publicado pela Secretaria da Cultura e Turismo, Selo As Letras da Bahia, Salvador, que faço agora algumas anotações de leitura. O seu discurso nesse livro é marcado novamente pelo enfoque de ressonâncias agudas na aventura precária comportada pelo ser humano ao assumir a vida. Na corrente do existir o poeta estabelece o diálogo com o viver no ser. Aqui, neste encontro de alma e soluço, realidade e sonho, sinto o pulsar de espantos e indignações como elementos essenciais de uma condição interior, na qual as imagens são mitificadas, provocam ferimentos e ressoam com o seu tom vertiginoso, suas angústias, que são as de todos nós, de todos os tempos. De momentos vertiginosos que não se escondem através dos rumores de nossos sentidos.
O poeta sabe que, mesmo quando protesta na coerência falha dos mortais,/ num aprendizado duro e sem termo/ na convergência de todo extravio, procede nas dobras do pensamento secreto e puro. Custa saber que na alquimia obscura da existência há o risco e o transe que são expostos através de situações estranhas, em um ritmo secreto de contágio e fogo, numa canção onde as constantes influências tocam-se nos extremos. Elabora seu enigma feito de abismos.
Emotivo sem ser lamurioso, porque consciente de que poesia é coisa séria, destituída de desabafos ingênuos, reflexivo, mas não conceitual no sentido estéril, a poesia de Walker Luna resulta de uma experiência humana de natureza crítica do homem solitário. Cercado de sombras, indagações, fugas, depressões. Seus versos queimam como fogo, sinalizam verdades na lucidez no sonho.
Como na solidão passiva dos loucos descobrem-nos livres dos falsos ajustes/neste estágio maravilhoso/ entre a vida e a morte. Assim, o poeta implora esta ausência total, desconhecimento da própria matéria./ verdadeiros símbolos/ de pureza unânime.
Em seu clima adensado de conflitos interiores permanentes, a poesia de Walker Luna está expressa nos limites do existir com a sua problemática subjetiva inserida na dor de viver, nesse estar do mundo das criaturas como cúmplices do sofrer ante o transitório e o inevitável. Vida é dor, disse o poeta Jorge de Lima, logo se vivemos, onde todos os fogos se cruzam, é porque sofremos. A dor de viver com toda a sua carga terrestre, as estações sempre em chamas, o ontem e o hoje como uma unidade que lateja nas cordas mais agudas da condição humana, essa é a matéria que nas visões contínuas propostas pelos golpes da vida o poeta Walker Luna transfigura nos sinais poéticos da escrita, na palavra trabalhada com fluência para atingir aquelas zonas da ilusão, própria do sonho, que nos acompanha desde não sei quando e comove.
Poesia de homogeneidade temática e formal, dá a impressão de um poema puxar o outro, como uma canção cheia de delírios, esta poesia mostra como o poeta deve usar a palavra com suas imagens e metáforas precisas para alcançar aquele nível expressivo, íntimo da boa fatura estética. Com a força dos que amam, a poesia de Walker Luna dá um testemunho dos que sofrem com lucidez quando então buscam na tristeza, na angústia, a alma de todos nós, seres contraditórios e finitos na condição do existir.
Walker Luna faleceu em 3 de julho de 2007, em São Paulo.
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*Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista e autor de livros para crianças. Conquistou o Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o livro “Cancioneiro do Cacau”, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, com “Os Brabos”, contos, e o APCA com “O Menino Camelô”. Finalista do Jabuti três vezes. Tem livros publicados em Portugal, Itália, França e Alemanha. Distinguido com a Ordem do Mérito da Bahia. Pertence ao Pen Clube do Brasil .
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