Grupo de voluntários cria oferta de café da manhã e aulas regulares de yoga para moradores de rua na cidade. Projeto traz dignidade e equilíbrio aos participantes.
Há 12 anos, uma única garrafa de café e alguns poucos pães, distribuídos por três pessoas a moradores de rua, em uma praça da cidade do Rio de Janeiro, marcava o início do Projeto Voar. No decorrer dos anos seguintes, mais pessoas se juntaram ao projeto, que oferece café da manhã a moradores de rua. Hoje, o Voar alimenta aproximadamente 300 pessoas por vez. Mais tarde, os organizadores passaram da oferta de uma refeição aos interessados para um segundo passo: as aulas “Yoga de Rua”.
“O projeto Yoga de Rua nasceu para que fosse possível passar mais tempo com as pessoas que já vinham tomar o café. Eu queria compartilhar mais esse momento com os companheiros de rua. Praticando yoga, criamos uma relação onde somos todos iguais”, define o professor universitário André Andrade Pereira, mentor das iniciativas Voar e Yoga de Rua, que acontecem nas ruas do Rio de Janeiro.
ALIVIAR A PRESSÃO DAS RUAS
Expulsos de diversos locais por associações de moradores e autoridades municipais, o grupo consegue, atualmente, realizar os dois projetos com uma regularidade de três vezes por semana, sempre às segundas, quartas e quintas-feiras em três diferentes pontos da cidade. Para Mônica Bretanha, designer de moda e uma das criadoras do Voar, acordar às 3h da madrugada para preparar o café da manhã se tornou essencial: ”Não é só uma coisa material, é amor também. Entoamos juntos as palavras saúde, paz e felicidade, para que elas se tornem reais na vida de cada um dos participantes”, diz ela.
Atualmente, mais de 14 mil pessoas moram nas ruas da cidade do Rio de Janeiro – número esse que triplicou de 2013 até janeiro de 2017. Muitos chegaram recentemente, em função da perda de emprego e da impossibilidade de pagar um aluguel. Esse é o caso, por exemplo, de Roberto Moreira da Silva, que há dois anos e meio se viu sem trabalho e obrigado a morar na rua. Para ele, praticar yoga é aliviar a pressão e o sofrimento: “É renovador. A gente vai se libertando de muita coisa ruim. A rua sempre é uma tensão, para quem mora nela ou não. A yoga veio para nos erguer”, observa.
CONSCIÊNCIA DO PRÓPRIO CORPO
Para a professora Fernanda Santana, que participa do projeto como voluntária, a yoga traz um pouco de paz aos moradores de rua: “Acho que por um momento eles sabem que existem, que têm um corpo que funciona e uma mente que pode viajar para outros lugares melhores”, diz ela. Uma ferramenta que ajuda a enfrentar as adversidades vividas nas ruas, a yoga é praticada nas segundas-feiras, sempre no Aterro do Flamengo, na altura da rua Dois de Dezembro, de onde se avista o Pão de Açúcar ao fundo, cenário que normalmente serve de cartão postal da cidade.
Para alguns dos participantes, esse é um dos poucos momentos do dia nos quais eles se sentem cidadãos de fato: “Não vai ajudar a sair da rua, mas mantém o espírito tranquilo. A vida aqui é difícil e a gente se altera com facilidade”, relata Marcelo Pereira, que vive nas ruas há 13 anos, desde os nove anos de idade. Ele, que aprendeu a ler olhando as placas de trânsito, pois nunca frequentou uma escola, afirma que pior do que a fome é o preconceito: “A fome castiga, mas é o preconceito da sociedade que dói mais forte”. A prática do exercício físico, nesse sentido, ajuda a resgatar a dignidade dos participantes.
POUCO PARA “OS DAS SALAS”, MUITO PARA “OS DA RUA”
Entre os sem-teto que participam do projeto que oferece o café da manhã, nem todos, porém, permanecem para a aula de yoga que acontece na sequência. Um grupo de uns 10 moradores de rua frequentam a aula. No entanto, entre os que ficam, alguns acompanham a prática com regularidade, ou seja, vão às aulas duas ou até três vezes por semana, em locais diferentes: “Participo nas segundas e quartas. Não venho só pela comida não. Saio daqui tranquilo. A cabeça já sai de outra forma”, descreve Elson da Silva, de 62 anos, morador de rua há cinco, situação na qual caiu depois de ter sido demitido do emprego em um supermercado.
Uma hora e meia de aula, após um farto café da manhã, desperta corpo e espírito. Uma torção aqui, um alongamento acolá, meditação, relaxamento ao final e um almoço formam as atividades do grupo. O que pode parecer pouco para aqueles que estão nas “suas salas “ (jargão dos moradores de rua para quem tem casa), pode salvar o dia daqueles que têm não apenas a luta diária pela sobrevivência, mas também a de serem reconhecidos como seres humanos: ”Sei que hoje terei uma tarde melhor e tenho esperança de vir algo positivo, além da certeza do agora ser melhor do que o antes”, conclui Roberto Moreira da Silva na roda de bate papo do grupo.
Fonte: Instituto Goethe
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